Cosmopolita

Publicado el Juan Gabriel Gomez Albarello

O Irrevocável Passado

As histórias de ciência-ficção têm contribuido a popularizar a noção de que é possível viajar ao passado e modificá-lo. Se a fé poética não abandonasse o terreno da literatura, não haveria nenhum problema. Mas ocorre que algumas pessoas permitem-se uma suspensão da incredulidade além do razonável e acreditam na possibilidade de que o passado poderia ser objeto duma intervenção humana. Algumas outras professam a crença que o assunto mesmo está nas mãos da divinidade. Bastaria mencionar o caso do teólogo Pier Damiani. A verdade é que todas essas pessoas enganam-se.

Chrono-Shredder Calendar (Calendário Picador do Tempo), tomado da página walyou.com

Há pelo menos três argumentos contra a possibilidade de revocar o passado. O primeiro é que não há eventos isolados nem cadeias isoladas de eventos. Por tanto, modificar um só implicaria introduzir modificações em muitos mais, tanto que ao final estariam comprometidos todos os eventos que envolvessem a todos os individuos vivos ao momento dessa única modificação. Nem imaginar o que sucederia se múltiples modificações fossem introducidas.

O segundo argumento tem que ver como a crença razonável –não me atreveria a dizer o fato– que a quantidade de energia no universo é finita. Se houvesse uma quantidade infinita, talvez o universo suportaria o esbanjamento de recursos empregados em fazer e desfazer a história universal uma e outra vez conforme aos desejos dos indivíduos inconformes. Mas se o universo, como a economia caseira, tem um orçamento limitado, então revocar o passado é um luxo que está além de nossas possibilidades.

O terceiro argumento tem que ver com a estabilidade mesma de nossas vidas. Do mesmo modo que a força gravitacional mantém os planetas em suas trajetórias, o passado nos mantém na nossa. O dito não significa que não seja possível que haja mudanças bruscas e radicais. Colisões interestelares podem causar desordem e transformações na estrutura das galáxias. Mas é inconcebível que a terra gire sobre si mesma em direção contrária ou que faça a sua trajetoria em reversa. O único lugar do mundo no qual os relógios correm numa direção oposta aos demais que marcam o passo do tempo é na Bolivia, mas acredito que essa lutta inútil contra o ordem das horas e os minutos não durará muito.

Relógio do edifício do Congreso Boliviano em La Paz, foto de Associated Press

Tudo isto pode ser muito chato. Um mundo no qual o passado não fosse irrevocável talvez seria muito mais interessante. Mas para isso temos a literatura. 

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